No meio de tanta loucura, pressa e falta de sentimento, criei um único lugar onde algo faria sentido,pelo menos para mim. Um lugar para confortar e acolher pequenas idéias e grandes sentimentos, embora a indiferença de muitos.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Táxi, por favor.

    Seria, eu, capaz de parar por um minuto de pensar naquela senhorita que me fizera derramar meus sonhos em papel?  Aquela moça e sua capa de chuva, molhada. Ah, Deus. Por que a puseste naquele café, naquele momento? Sou eu, o homem mais atarefado do mundo. E ela, a mais bela. Não devo me demorar muito nesta sala morta, sem flores e sem vida. O pouco tempo que tenho mal dá pra cuidar das pobres tulipas que ganhei. Não irei me deter a pequenas coisas. A hora voa e não devo me atrasar. Embora a chuva que goteja lá fora, preciso me aventurar. O medo sempre foi meu ponto fraco. O de dirigir ainda mais, pois então.
    Ponho-me na rua quando, de suspense, me pego a pensar naqueles sininhos, que tocaram de modo a anunciar um anjo que passara por debaixo. Viajei para tão distante em minha mente - 15 minutos atrás - que me fiz pisar em uma poça e me atrasar mais. Corro na esperança de um taxi. A chuva, ao que parece, afugenta os carros. Rua vazia. Espero pacientemente sobre meu pequeno e falho guarda-chuva. Retiro de dentro  do sobretudo  uma edição de bolso de Sir Arthur Conan Doyle. As histórias de Sherlock Holmes sempre me fascinaram, não foi à toa que me tornei escritor de jornais – um trabalho por vezes interessante, mas que tem se tornado um fardo entediante nesses últimos dias, quando por fim tomei conhecimento do quanto essa falta de tempo afeta minha vida e atenua minha solidão.
    Tomo certeza de que aquele exemplar, cuja companhia tem-me feito alegre nos minutos em que tomo ar, está seco e seguro. Não me custaria nada comprar outro, mas passar aquele resto de manhã e toda a tarde sem ler, me custaria angustia. Enquanto estou a pensar nisso, recebo como que sem aviso prévio uma esbarrada sem igual. E nessa fração de bater de asas de um beija-flor, lá se foi meu Sherlock, meu amigo. Agora ensopado em meio à água que corria pelo pé da calçada. Penso em recuperá-lo, mas apenas por dois segundos. Suspendo o olhar choroso de um homem que perdeu seu melhor amigo e então nada mais importa. Lá vem o taxi. Preciso ir.
    E, de novo, nada mais importa. O pensamento com o qual apreciei minha sala morta agora me volta à cabeça. É ela. O taxi pára. Acho que é o mesmo senhor que me leva quase todas as manhãs quase que horário marcado, por isso a exatidão, sem nem esperar um sinal meu. Mas não tive como me deter nesses pensamentos, ela me fascinava. Chegará sem proteção alguma contra a chuva. Explicação desconhecida para tal, afinal, estava ela provida de uma quando ao café chegou. Agora me ocorre que também precise de um taxi. Penso em dividir a corrida com ela. Independente do destino, iria tratar de deixá-la primeiro. Agora ocorre-me, logo em seguida do ultimo ocorrido, que precise ir pra um destino diferente em demasia do meu.
    Desisto da idéia inicial. Ofereço-lhe meu transporte como um gesto afetivo e um sorriso furtivo e amigável enquanto abro a porta e abro passagem para aquela desenvoltura que, mesmo em função da chuva, não havia sido afetada. Também me apresso em cobri-la com aquela porcaria que deixava transpassar alguns pingos, motivo pelo qual eu estava ensopado - e não fazia questão de me molhar mais um pouco. Creio que ela também não fazia, mas que cavalheiro seria eu sem prestar este favor a uma dama, ainda mais a que eu disputo sei lá com quantos mais.
    Ela se vai e só me deixa um sorriso, um cordial obrigado e um leve toque em meu braço que segurava a porta. O meu conforto, embora tenha perdido meu companheiro de tomar ar, é de que ouvi, pela primeira vez sem interrupções, a voz da minha, agora, amada.


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