Sentindo-me
péssimo, como em todas as manhãs desde o dia fatídico, sentei-me à mesa daquele
bar que agora frequentava no lugar dos antigos cafés. Pedi a caneca de sempre em
respeito às tradições que eu adquirira nos últimos dois anos e comecei a tomá-la
de forma a agraciar todo a sua amargura, lembrando como era doce o chocolate
quente e cheiroso o café de outrora.
Detive
meu olhar através das sujas janelas e acompanhei o movimento de uma garota de
não mais que cinco anos ao atravessar a rua com seus dois balões vermelhos. Quando
sua imagem sumiu, uma garota trocou de lugar com ela quase que instantaneamente.
Essa já parecia mais velha e audaciosa. Com um casaco marrom cumprido até os
sapatos pretos de salto, e um cachecol da cor de vinho mesclado com preto que
envolvia seu pescoço. Ao olhar para sua boina escura, senti seu olhar me fitar
e seus passos congelarem. Pisquei e finge olhar o parque por trás dela e logo me assustei.
A garota veio
em minha direção, olhou pelo vidro e me acenou como amigos de longa data, com
um sorriso e um chacoalhar de mão atravessado. Carregando seus dois livros-catálogos,
entrou pela porta do bar, atraindo todas as atenções. Jogou o peso de seus
braços sobre a mesa, quase derrubando a minha caneca e já foi pedindo desculpas
pelo desastre que quase causara explicando ser assim na maioria dos tempos –
logo me veio um estereótipo em mente, mas calei-me para não provocá-la.
Sem entender
bem o que dizia, assimilei a ideia principal de que ela era minha fã de longa
data. Disse que sentia bastante o tempo que passei sem escrever e o quanto
fazia falta para ela os conselhos que eu a dava. Fui logo interrompendo e
dizendo que não dava conselho para ninguém, apenas escrevia pequenas histórias
bobas. Ela arregalou os olhos e me disse que de bobo nada havia nas histórias
além de mim. Sentiu-se extremamente chateada com o modo que tratei minhas
escritas passadas e as defendeu contanto como haviam influenciado na sua
história. Obviamente que eu não podia imaginar tamanho fim para meus textos e
então entendi o quanto eu fui egoísta. Pedindo desculpas e pagando pela caneca,
retire-me juntamente a moça e seguimos nossos caminhos. Voltei para o meu café
na esquina e ela para seu trabalho de rotina.
Prometi a moça
que escreveria uma história sobre sua vida até o fim do dia, e sem mais tardar,
ela pôde lê-las numa página pouca conhecida da internet, onde jaziam minhas
escritas tão importantes para menininhas de oito anos até os dezesseis, e que
ganhavam suas próprias histórias aos dezoito.